A maior liberdade do patrimonialista de exercer a sua autonomia de vontade, por vezes é tolhida pela legislação Civil. A proibição da pacta corvina, disposta pelo artigo 426 do Código Civil, estabelece que a herança de pessoa viva não pode ser objeto de contrato, considerando nula de pleno direito, a delibação nesse sentido, por violar o princípio da indivisibilidade da herança.
Para o Direito, a herança só se concretiza e se torna um bem jurídico no exato momento do falecimento do titular do patrimônio, ocasião em que ocorre a abertura da sucessão. Antes do evento “morte”, existe tão somente o patrimônio e a lei proíbe quaisquer acordos ou contratos que tenham por objeto a herança alguém que ainda está vivo.
Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, ao analisar a controvérsia em torno de cláusula estabelecida no pacto antenupcial, por meio da qual os cônjuges, casados sob o regime da separação convencional de bens, renunciaram reciprocamente ao direito de concorrer na sucessão com descendentes e ascendentes, reconheceu a validade da avença, confirmando a cláusula contratual.
O caso envolveu o falecimento do marido, sem deixar filhos e o pedido de abertura de inventário pelos seus genitores (ascendentes), sem a inclusão da viúva sobrevivente. Ela, por sua vez, pleiteou sua admissão como herdeira, sustentando a nulidade do pacto antenupcial por violação ao contrato de herança de pessoa viva, na forma do artigo de lei aqui mencionado.
A tese da viúva foi rechaçada pelo Tribunal Estadual, sob o fundamento de ausência do objeto típico vedado pelo artigo 426, do Código Civil. A Corte julgadora entendeu que a renúncia prevista no pacto não se referiu a transação sobre herança futura, mas apenas a delimitação e condição do direito de concorrência da cônjuge supérstite, na existência de descendentes ou ascendentes, concluindo pela validade da cláusula em observância à autonomia da vontade, à boa-fé e ao respeito ao que fora livremente convencionado pelos cônjuges em vida.
A decisão traz a distinção entre o pacto corvina e a renúncia concorrencial que excluiu a viúva de concorrer com os pais do marido na sucessão e representa um importante precedente e avanço para os planejamentos patrimoniais e para o Direito Sucessório, em sintonia a melhor interpretação da lei, prestigiando, de um lado, a compreensão da liberdade dos nubentes de se autodeterminarem e exercerem a sua autonomia privada na regulamentação do seu planejamento familiar e patrimonial e, de outro, a vedação ao comportamento contraditório – venire contra factum proprium.
O pacto antenupcial caracteriza um instrumento essencial aos nubentes para disporem de maneira livre e esclarecida, o desejo e as regras que regerá a vida em conjunto, carregando consigo dimensão mais ampla e de extrema importância para além da mera definição e divisão patrimonial, guardando os valores e aspectos existenciais daquele casal.
Regras bem definidas e construídas com o auxílio de um advogado especialista, traduz maior segurança jurídica e assertividade para que o pacto antenupcial seja o efetivo garantidor das legítimas expectativas presentes e futuras de ambos os cônjuges, com a validade das questões nele dispostas.
* Mirielle Netzel Adami é advogada e sócia do Escritório Motta Santos & Vicentini.
