A chamada filiação socioafetiva nada mais é do que a filiação baseada na relação de afeto, de modo que não se faz necessário um vínculo de sangue, mas sim de laços em que o amor e a felicidade são preponderantes para ser reconhecida uma relação paterno-filial.
O artigo 1.593 do Código civil preceitua que: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”
Desse modo, quando a legislação infraconstitucional dispõe que a origem do parentesco pode ser resultado da consanguinidade ou “outra origem”, traz uma abertura de possibilidades jurídicas para outras modalidades de filiação, como, por exemplo, a socioafetiva.
Assim, em nosso ordenamento jurídico determinou-se que para ser reconhecida a paternidade socioafetiva, necessário o preenchimento de três elementos considerados essenciais para a configuração da posse do estado de filho. São eles: o nome, que ocorre quando o filho carrega o sobrenome do pai; o tratamento, quando o pai é tratado como tal pelo filho, e a fama, que nada mais é que a publicidade da relação.
Contudo, importa destacar que ainda que falte um dos elementos que se configura o estado de posse, o entendimento da jurisprudência brasileira, tem sido no sentido de se conceder a paternidade socioafetiva, dependendo de como for apresentado o caso concreto. Desse modo, não há necessidade de haver o preenchimento de todos os elementos, baste que se demonstre de forma clara e concreta o relacionamento paterno ou materno filial afetivo entre um adulto e um menor de idade.
Com isso, verifica-se que ainda que não haja vínculo genético entre pai e filho, a filiação socioafetiva detém da mesma proteção jurídica de uma filiação biológica, sob pena de violação aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Portanto, com o destaque das relações pautadas no amor e na convivência afetiva, tem-se que tal tipo de filiação tem se tornado cada vez mais prevalente, haja vista que se trata de paternidade exercida sem qualquer tipo de imposição legal, em que se prioriza a situação fática das partes e o melhor interesse do filho.
Diante da possibilidade de ser adotada a paternidade socioafetiva no Brasil, surgiu-se então uma questão importante a respeito do tema, quando esta paternidade socioafetiva é posta em confronto com a existência de uma paternidade biológica já reconhecida, ou vice-versa, isto é, se uma das opções de paternidade deve se sobrepor a outra.
Destaca-se a aceitação, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, acerca da possibilidade de reconhecimento da dupla parentalidade ou multiparentalidade, admitindo-se a hipótese de um indivíduo ter dois pais ou duas mães em seu registro civil.
Esse entendimento tem se relevado cada vez mais comum, sob o principal fundamento de que a importância da relação com base na afetividade para caracterizar a paternidade, sem prescindir a verdade biológica, deve prevalecer ante o melhor interesse do menor que pleiteia o reconhecimento da dupla paternidade e/ou maternidade.
Em que pese ainda haver discussões pelos juristas em relação a alguns efeitos advindos desse reconhecimento que necessitam de melhores esclarecimentos, a exemplo: quem autorizará a emancipação e o casamento de filhos menores; quem aprovará o pacto antenupcial do menor; quem representará os absolutamente incapazes, etc, importante destacar que tais questionamentos são passíveis de solução, diante da interpretação da legislação vigente de uma forma que sua aplicabilidade seja estendida a todos os pais e a todas as mães, sem qualquer distinção, podendo o filho provocar o judiciário em caso de discordância por parte de seus genitores.
Desse modo, a multiparentalidade tem se demonstrado como hipótese viável no ordenamento jurídico brasileiro, para o fim de resolver casos em que são possíveis a coexistência da parentalidade biológica e socioafetiva, sem que uma exclua a outra ou se sobreponha a outra, além de serem produzidos todos os efeitos jurídicos que emanam da paternidade, com o fito de proteger o melhor interesse do menor e a realidade das famílias modernas existentes atualmente.
Indianara Proênça Lima
Pós-graduanda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora Jurídica da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos – CNTA e advogada atuando na área cível, trabalhista e sindical no escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados.