É de conhecimento público a atual crise vivenciada, de proporções globais, em função da propagação do vírus SARS-CoV-2 – Coronavírus, tendo a OMS declarado em 11/03/2020 situação de pandemia, caracterizada pela disseminação mundial da nova doença.
Diversas medidas vêm sendo tomadas para contenção da propagação do coronavírus [covid 19], entre elas a edição da Lei Federal n° 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 que traz a possibilidade de isolamento, quarentena e restrição excepcional de movimentação e de exercício de atividades empresariais não consideradas essenciais. Além de diversas outas normas federais, estaduais e municipais restritivas de direitos, em decorrência da pandemia. Obviamente isso traz gigantescas consequências jurídicas para as obrigações contratuais.
Nesse cenário a paralização das atividades empresariais, que poderá levar a severas crises financeiras e sociais, leva a uma preocupação com possíveis inadimplementos contratuais em cascata e até mesmo o rompimento de contratos. Sobre o tema, destaca-se inicialmente que será necessário avaliar cada contrato ou negócio jurídico individualmente, para que se constate qual o impacto da Pandemia naquela relação contratual e quais os possíveis ajustes para a sua manutenção.
Mas de uma forma ampla, importa analisar as consequências jurídicas do inadimplemento desses contratos, atentando-se a caracterização do evento que deu ensejo ao descumprimento, em especial diante as hipóteses das excludentes de responsabilidade, quer seja da obrigação, dos efeitos da mora, ou das perdas e danos daí decorrentes.
Nosso ordenamento jurídico, especialmente o Código Civil traz algumas diretrizes em como agir na presente situação.
- Art. 317 do Código Civil (Pacta Sunt Servanda): Este artigo determina que uma prestação sucessiva pode ser reavaliada e reequilibrada se no momento de sua execução as condições forem manifestamente diferentes do momento da contratação, e que cause, com isso, desproporção manifesta entre a obrigação do devedor em relação ao direito do credor, mas, desde que causado por motivos imprevisíveis.
- Art. 393 do Código Civil. Por sua vez, este capítulo do Código Civil regula o inadimplemento das obrigações e impõe ao devedor a responsabilidade por perdas e danos (art. 389 CC). Porém, no mesmo capítulo, no citado artigo 393 se cria uma exceção a esta responsabilidade, quando a mora é comprovadamente causada por força maior, no caso em tela PANDEMIA DO COVID-19.
- Art. 396 do Código Civil: Aqui, se determina que só se configura a mora do devedor houver um fato ou omissão a ele imputável, do contrário, não se lhe pode aplicar os efeitos da mora.
- Art. 399 do Código Civil: Traz em seu texto a possibilidade o afastamento da responsabilidade pela impossibilidade da prestação, quando se provar a isenção de sua culpa pelo descumprimento.
- Art. 408 do Código Civil: Aqui é a cláusula penal fixada de comum acordo entre as partes que é afastada quando se comprovar que o inadimplemento não se deu por culpa do devedor, ou se deu por motivo de força maior.
Caso fortuito é o evento proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação, e aqui podemos enquadrar a pandemia do coronavírus.
Assim, tomando por base princípios constitucionais e de direito civil, sobretudo os princípios da boa-fé objetiva e do dever das partes de mitigação dos prejuízos contratuais, após a análise dos elementos essenciais e da natureza da obrigação inadimplida, nos parece adequado que a parte que verificar a impossibilidade de cumprimento de obrigação contratual, notifique as demais partes envolvidas na contratação expondo as razões do inadimplemento e demonstrando a clara vinculação do inadimplemento com as medidas tomadas para impedir a proliferação do contágio, ou mesmo, as consequências econômicas causadas pela pandemia em si.
Tal providência, além de antecipar a informação acerca do inadimplemento e precaver a contraparte, também poderá possibilitar uma nova negociação, mediante a readequação do cronograma contratual buscando o equilíbrio econômico financeiro, como forma de amenizar os prejuízos das partes envolvidas.
Destaca-se que há várias reflexões ainda a serem feitas sobre o caso COVID-19 e que serão debatidas nos próximos artigos, as quais destacamos algumas sob a forma de perguntas:
- A obrigação não foi cumprida por impedimento de factum príncipes? Que é a impossibilidade de se cumprir uma obrigação quando o Estado edita norma que veda ou impossibilita o cumprimento de um contrato, ou a execução de uma obrigação
- A obrigação foi descumprida por absoluta impossibilidade do devedor, diante do impacto econômico causado pela pandemia? Ex.: pagamento de financiamento bancário por hotéis que tiveram que fechar seus estabelecimentos em decorrência do COVID-19?
- A obrigação poderá ser descumprida, em virtude da impossibilidade do CREDOR em realizar a sua contrapartida contratual? Ex.: Lojista de shopping center deve pagar o contato de locação integral, mesmo com o shopping fechado?
Da parte do judiciário, sempre se segue o princípio da preservação do negócio jurídico. Isso significa que o devedor pode requerer a exoneração da obrigação, ou, mesmo o afastamento dos reflexos oriundos da mora ou do inadimplemento, mas o credor pode, mesmo judicialmente, ofertar uma solução de inadimplemento que reequilibre a prestação e assim, obrigue o devedor à cumpri-la naqueles termos aceitos pelo magistrado.
A situação atual é preocupante e necessita de ponderação e conciliação das partes para que o inadimplemento não seja irreversível trazendo ainda mais prejuízos, não só para os contratantes, mas também para todos que de alguma forma serão atingidos pelo impacto do desequilíbrio econômico, sobretudo diante da provável redução de novos negócios.
O certo é que as consequências jurídicas deste momento se propagarão por muitos anos, causando instabilidade nos negócios. Porém, certamente o judiciário irá olhar para os fatos ocorridos neste período com grande parcimônia e compreensão, protegendo os devedores dos eventuais excessos que os encargos da mora, o adimplemento de obrigação excessiva e das perdas e danos causarem.